Portugués
Título original: Una noche con Sabrina Love
Como nunca mais começava o espectáculo de Sabrina Love, Daniel percorria os sessenta canais roubados à TVCabo, deixando as imagens durar apenas alguns segundos. Um locutor, o fundo do mar, umas girafas, uma perseguição de automóveis, mulheres venezuelanas a falar, lava vulcânica, as auto-estradas na madrugada espanhola, um homem com cara de terror, umas mão a enfeitar um bolo. Passamos entã. Tu nunca poderás. Most incredible and amaz. Tástrofe dos úl. Allora il vecchio. Um corte super. A planura do. Pára, Laurinha. Uma única história, a toda a velocidade, na qual o sol do mapa de satélite do boletim meteorológico brilhava sobre o documentário do Quénia onde os leões copulavam mostrando os dentes, na mesma posição que o par norte-americano do canal pornográfico, que também mostrava os dentes e fechava os olhos, como se quisesse esquecer a imagem daqueles iraquianos no noticiário apontando as metralhadoras ao arqueiro argentino, que caía de joelhos e levantava os braços porque sabia que iam fuzilá-lo, e que via toda a sua vida passar-lhe diante dos olhos num clarão, a começar pelos desenhos animados da infância. Uma história infinita que Daniel acelerava como que a tentar apurar o tempo que faltava para o programa de Sabrina Love. Apenas se detinha no beijo de algum par que começava a despir-se na penumbra azulada de um filme série B, desejando que o fumo que saía pela chaminé fundida com a fachada de um edifício se demorasse, em pleno dia seguinte, e que a actriz fizesse um grande esforço para manter o lençol à altura das clavículas.
– Sim, Avó.
– Que fazes levantado?
– Tinha sede.
– Não, avó, tenho que dormir – disse, e bebeu a água com grandes goles.
– Vais trabalhar amanhã?
– Sim, daqui a duas horas, às cinco.
– Mas, Daniel, é mesmo noctívago, nunca tens sono. A tu mãe dizia que nasceste…
– …com os olhos abertos.
– Sim, com os olhos abertos. Trata de dormir um pouco – disse-lhe, e ajeitou-lhe a franja para o lado passando-lhe a mão pelo rosto.
Suportou a carícia, disse «até amanhã» e saiu para o pátio, aborrecido.
– Danielito, a tua irmã vem cá hoje à tarde fazer a limpeza, não deixes a tua porta fechada à chave.
– Com isto vêem-se todos os canais? – perguntou Daniel, já abraçado ao aparelho.
– Sim, o pornográfico também – disse-lhe o gordo Carboni. Despachou-o, fechou o portão de chapa e, na estrada de terra à torreira do sol, Daniel ouviu-o gritar-lhe, trocista:
– Vais ficar cego, miúdo!